sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Pais: ajudam ou atrapalham na formação de um atleta de futebol?






Quando o assunto é “pais”, logo pensamos em família unida, amor, carinho, segurança, exemplo, educação, etc. O amor envolvido em uma relação saudável de pais e filhos é incondicional, único, adimensional, divino até. Talvez seja por isso que quando ouvimos alguma notícia sobre pais que maltratam ou até mesmo matam seus filhos (como, anos atrás, o triste caso da menina Isabela Nardoni), ficamos revoltados, enfurecidos com tamanha atrocidade. É nesse ponto que vem nossa indagação àqueles que são pais: até que ponto eles não estão “matando” o futuro de seus filhos?


A questão, é claro, tem um cunho figurativo e dirige-se especificamente ao futebol competitivo de base (já que é esse o contexto em que nós autores estamos envolvidos!). Peguemos um exemplo prático: qual é a atitude esperada por um pai, quando seu filho, que faz parte do elenco de uma determinada equipe, é orientado a treinar em outra posição que não a sua habitual? 

1 - Ficar contente com a possibilidade do filho aprender uma nova função? 

2 - Apoiar a decisão do treinador em detrimento da sua própria (caso seja contrário a isso!)? 

3 - Ficar enraivecido, questionando o treinador de forma infundada não dando direito à réplica, tachando-o de “burro”?

Infelizmente, a opção “3” é, sem sombra de dúvidas, a mais presente.

O que nos conforta (ou não!) é o fato de esse comportamento não ser adotado para outras áreas nessa mesma intensidade. Caso contrário, teríamos um aumento de demanda no sistema de saúde público. Afinal, já pensou se toda vez que esses mesmos pais fossem ao médico tratar seus filhos e o doutor recomendasse um remédio que o jovem nunca usou, o pai tivesse o mesmo comportamento? Por que a atitude do pai é diferente com o médico e com o profissional de educação física?

Infelizmente, temos que admitir que nós, profissionais da área de educação física, somos um tanto quanto culpados por isso, afinal é grande o número de maus profissionais trabalhando com futebol de base (grande parte deles não graduados!). Todavia, quase nunca o conhecimento teórico e experiência profissional, (independente do quão profundo sejam) vencem esse tipo de pai. Em nosso exemplo, o pai não se sente no direito de discutir com o médico, afinal o doutor estudou, se formou e sabe o que está falando, não tendo o pai conhecimento suficiente para questionar. Porque no futebol tem que ser diferente? O pai estudou futebol? Sabe de pedagogia, treinamento, fisiologia, biomecânica, processo maturacional, tática, etc? Ou apenas repete o senso comum e se sente o dono da verdade? Paradoxalmente, esse mesmo pai “questionador” deixa seu filho ir morar longe de casa com apenas 15 anos (para não falar dos casos de 12 ou 13 anos!) sem saber em quais condições ele ficará hospedado e quem serão seus responsáveis, sujeitando sua prole a condições insalubres, pedofilia, etc.


Passada essa fase introdutória, faremos agora uma classificação dos “tipos de pais”, relacionando-os com o futuro de seus respectivos “filhos-atletas”. É importante ressaltar que essa classificação é totalmente arbitrária e baseada em nossa experiência prática.

1- Pai Desinteressado: aqueles que nunca assistem a um jogo ou treino do filho e, pior do que isso, (afinal, às vezes, a condição social ou mesmo a distância, impedem que isso seja possível) nunca se preocupam em saber como “as coisas estão”. 

2- Pai Treinador: aqueles que praticam ou praticaram o mesmo esporte que o filho e sentem-se no direito de orientar o mesmo, sobrepujando a função do técnico. Geralmente, cumprem essa tarefa nos horários extra-campo. O jovem sente-se confuso sobre quem seguir (o técnico ou o pai), atrapalhando o trabalho do profissional e do atleta. A quantidade de informações conflitantes e a pressão exercida por esse tipo de pai são responsáveis pela desistência de muitos jovens talentos. 

3- Pai de Alambrado: clássicos! Ficam no alambrado esbravejando enquanto os filhos jogam. Dispõem de enormes cordas vocais e vocabulário “nobre” para indicarem as melhores jogadas durante a partida. Narram o jogo e endoidecem quando seus filhos não fazem aquilo que foi ordenado. Normalmente atacam a arbitragem inescrupulosamente. 

4- Pai Fanático: nunca aceitam a decisão do treinador. Não estão nem um pouco preocupados com o desenvolvimento da equipe. Se os seus filhos estiverem entre os “titulares”, está tudo ótimo: afinal, seus filhos são craques! 

5- Pai Frustado: a Psicologia já tem um consenso acerca desse tipo de pai - “Projeção”. Tentaram ser atleta profissional um dia e não conseguiram. O problema é que mesmo adultos continuam tentando através de seus filhos. Fazem de tudo para que seus filhos sejam jogadores de futebol, muitas vezes coagindo os jovens a continuar treinando. 

6- Pai Consciente: casos raros. Buscam o melhor para o filho, tanto em relação aos profissionais que estão formando-o, quanto em relação à filosofia de trabalho da Instituição que o mesmo está vinculado. Preocupam-se com o futuro do filho, exigindo que o mesmo estude. Aceitam de forma saudável a admiração que seu filho passa a ter pelo comandante (se esse fizer por merecer é claro!) dentro de campo. Limitam-se a torcer pelo filho e a responder perguntas que lhe são feitas acerca da partida. Nunca jogam o técnico contra o filho e orientam-no a questionar em caso de dúvidas e/ou insatisfações. São porta-vozes para a comissão técnica acerca do contexto do jovem em outros ambientes que não o futebol (escola, família, saúde, problemas financeiros). Evitam paralelismo com o esporte profissional (não alimentando ilusões). Não interferem naquilo que o treinador pediu, comemoram êxitos sem euforia desmedida e fracassos desportivos como aprendizagem para a vida. Ajudam a formar cidadãos dentro e fora do campo, dando exemplo de comportamento e educação, respeitando os árbitros os adversários e os colegas de seus filhos.

Para finalizar, voltemos à pergunta inicial: “Os pais podem ‘matar’ o futuro do seu filho?”. Infelizmente, pelo exposto, fica claro que sim. Todavia, a recíproca não é verdadeira e um “pai consciente” (de acordo com a nossa classificação) não garante o sucesso do atleta dentro de campo. A opção a ser escolhida está nas mãos dos pais e deve ser pensada com carinho, afinal, está por definir o futuro da pessoa que o mesmo mais ama. Um abraço a todos!


*Renato Buscariolli de Oliveira é Bacharel em Treinamento Desportivo e mestrando em Biologia Funcional e Molecular - UNICAMP



Autoria de: William Sander Figueiredo, Fábio Augusto Junqueira Fontão e Renato Buscariolli de Oliveira.